sábado, 8 de dezembro de 2012

Monumentos ao absurdo


Sérgio Magalhães
*Artigo publicado originalmente no jornal O Globo de 08/12/2012

Por que obras públicas essenciais são postergadas e supérfluas são implantadas com sofreguidão? Por que a cada hora surgem saídas modernosas de metrô, passarelas monumentosas, píers em Y, entre outras intervenções que comprometem a imagem ambiental de nossas cidades? Por que planejar Brasília a partir de Cingapura –uma ideia de jerico?
Nestas últimas décadas, o desenvolvimento sócio-economico do país está sendo feito com o fortalecimento de suas instituições, agora democráticas, e com grande interesse e participação da sociedade. Porém, não é o mesmo o que ocorre no caso urbano. Aqui, há uma clara des-institucionalização da ideia de planejamento, de projeto e de prioridade.
Com o espetacular crescimento ao longo do século XX, nossas cidades se tornaram muito complexas. Ficou difícil ao cidadão compreender a escala de uma grande cidade. Questões que interferem diretamente na vida das pessoas, como a mobilidade, o saneamento e a segurança, se apresentam tão embaralhadas que ao senso comum parecem insolúveis.
Não são insolúveis, porém. Há respostas adequadas ao tamanho da grande cidade, mas, certamente, não serão imediatas, ao alcance de um desejo. É preciso estudar, planejar, projetar; é preciso tempo e continuidade na decisão. É preciso debater. Não há varinha de condão que substitua processo continuado de enfrentamento de cada questão.
Contudo, há de se reconhecer que muitas cidades desconstruíram seus incipientes organismos de planejamento, seja urbano ou metropolitano, como se deu no Rio. Instituições de pesquisa e estudos urbanos, sem renovação, são relegadas à burocracia ou extintas.
Assim, as cidades continuam a implementar respostas já superadas, como os investimentos que privilegiam o transporte rodoviário –embora já se saiba que a mobilidade não melhora com mais pistas. Sem planos, a interlocução com o mercado imobiliário assume papel hegemônico nos órgãos urbanísticos e de controle das principais cidades brasileiras –mas a maior parte das moradias é construída à margem da regulação.  Sem projetos –tudo é emergencial. Tudo assume caráter prioritário, inclusive as obras supérfluas e de custo exagerado.
Construir a cidade do século XXI é enfrentar o passivo ambiental, sanear os rios, universalizar os serviços públicos, inclusive o de segurança, conter a expansão especulativa da área ocupada, qualificar o espaço público.
Mas será preciso construir instituições urbanísticas e de planejamento estáveis, que sejam consideradas para além dos governos, abertas ao diálogo com a sociedade. Dá trabalho e reduz o poder discricionário dos governantes –mas melhorará os seus governos. Certamente, evitará arroubos modernosos, monumentosos –ou atentados, como o caso Brasília by Cingapura. Como desconhecer que a cultura não é objeto supérfluo, mas elemento central da soberania de um povo?
A democracia política veio para ficar. Ela há de conduzir à democratização das cidades. Não custa dar uma ajudinha.


O Arquiteto que mudou a História


Sérgio Magalhães

Em seu Obituário, o jornal O Globo designa Oscar Niemeyer por “O Arquiteto do Brasil”.
O artigo definido restringe, escolhe. Se se dissesse de alguém “O músico do Brasil”, como um único músico, seria um exagero, em um país com tantos talentos musicais. Estritamente, seria o mesmo na arquitetura. Mas o jornal está certo: ON não é o único, mas foi o maior e o mais importante dos nossos arquitetos.
Não é preciso reiterar sobre a qualidade de sua obra. O mundo reconhece a excepcionalidade dos ícones arquitetônicos que concebeu e que marcam o século 20. Merecidamente se destaca a ação política que desempenhou em prol de uma sociedade justa e solidária. Também, a dimensão humana de sua personalidade.
“O Arquiteto do Brasil”, porém, pode ter um outro sentido, por duas razões associadas: por ajudar a construir na convicção popular a emergência de um Brasil moderno e pela construção efetiva de um novo Brasil a partir da transferência da capital.
Desde o projeto para a Pampulha (1940), ON criou símbolos arquitetônicos que se comunicavam extraordinariamente com a alma brasileira. Obras suas passaram a simbolizar cidades modernas, como São Paulo do Ibirapuera e do Copam (anos 1950). A apropriação popular das colunas do Alvorada, replicadas aos milhares por todo o país logo após a construção do Palácio (1958), é grande evidência desse vínculo “futurista”. O código de sua arquitetura não demandava intermediários para a compreensão do povo.
O Brasil, então rural e de incipiente industrialização, duvidando que pudesse superar o subdesenvolvimento histórico em que se encontrava, era paradoxalmente uma terra de ufanismo exacerbado sobre base retórica. Os projetos de ON evidenciavam aos brasileiros de todas as classes a possibilidade concreta do país ser moderno.
Brasília é sua maior obra. Não por ser o maior repositório de exemplares arquitetônicos de sua lavra. Mas porque seus edifícios foram capazes de comunicar à nação que ali no Planalto Central se erguia uma capital. ON ao utilizar tecnologia já dominada, ainda que muito bem elaborada, em simbiose com forte expressão simbólica, permitiu que os edifícios fossem erguidos em curto prazo. Suas imagens, transmitidas por fotografias que cruzavam o país, mostravam que a cidade se viabilizava.
Sem o traçado simples e monumental de Lucio Costa; sem os edifícios de enorme carga semiológica, de Oscar, talvez o sonho da nova capital tivesse ficado em ruínas após terminar o governo de JK. Tenho a convicção que nenhum dos demais projetos que concorreram ao concurso de Brasília teriam condições de serem concluídos.
Para os que não acreditam no poder da cultura, Brasília é o contraponto.
Não sei se há outro arquiteto que tenha, com seu talento, mudado tanto a história de um país como o fez Oscar Niemeyer. Legitimamente, O Arquiteto do Brasil.


Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/cultura/sergio-magalhaes-arquiteto-que-mudou-historia-6960663#ixzz2ESS8z5AZ 

quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

"A vida é um sopro" II


Em 2010 o mestre Oscar se reinventou como sambista, compondo com Edu Krieger o samba tranquilo com a vida que o blog reproduz no video acima. Uma homenagem a quem afirmava que "A gente tem que sonhar, senão as coisas não acontecem".A história resumida é assim: No final de 2009 Oscar Niemeyer começou a escrever a letra de um samba. Seu enfermeiro particular, Caio Almeida, arriscou-se a colocar uma melodia. A música ficou pela metade na gaveta durante meses. Recentemente, pessoas ligadas à família, fãs do trabalho do cantor e compositor Edu Krieger, o procuraram perguntando se ele gostaria de finalizar a canção. “Aceitei na hora o convite e tratei de arrematá-la: coloquei a letra na métrica, criei uma segunda parte para a melodia e harmonizei. Entrei em estúdio, gravei o samba e mandei para a família Niemeyer. Todos adoraram o resultado, principalmente o grande Oscar, que me convidou para ir a seu escritório conhecê-lo.” – conta Krieger.“Tranquilo com a Vida”
letra: Oscar Niemeyer
música: Edu Krieger
Hoje em dia minha vida vai ser diferente
Calça de pijama camisa listrada sandália no pé
Andar pela praia, vou fazer toda manhã
E até moça bonita, vai ter se deus quiser
Vou para nos cafés para ouvir historinhas
Coisas da vida, que um dia vão ter que mudar
Quero ser um mulato que sabe a verdade
E que ao lado dos pobres prefere ficar
E assim vou eu, tranqüilo com a vida
À espera da noite já solta no ar
Como um manto de estrelas com o que se anuncia
E se multiplica nas águas do mar
Da minha favela, eu olho os granfinos
Morando na praia, de frente pro mar
Não devemos culpá-los, são prestigiados
E um dia entre nós vão voltar a morar

Fonte vitruvius


"A vida é um sopro"


Oscar Niemeyer 1907-2012

O blog se despede do grande Mestre.

"Urbanismo e arquitetura não acrescentam nada.
Na rua, protestando, é que a gente transforma o País".

"A arquitetura não é o principal, o principal é a vida,
a gente tem que trabalhar para fazê-la mais justa".


segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Mercado reage a um cidadão mais integrado à metrópole


por Valter Caldana
especial Folha de São Paulo
Há uma percepção geral e intuitiva da necessidade de uma cidade compacta
A maior parte -63%- dos próximos lançamentos de imóveis residenciais em São Paulo vai estar a até 1 km de estações de metrô operantes, em construção ou anunciadas. Este é um dado importante para pensar o futuro da cidade.
Nele se observa que o mercado imobiliário passa a colocar em prática um velho conhecimento: em grandes cidades a localização define a qualidade de vida do morador tanto quanto as características físicas do imóvel, como tamanho ou acabamentos.
Hoje já se pode dizer que uma característica do século 21 é que o cidadão habitará cada vez mais a cidade como um todo, ou seja, seus serviços, suas potencialidades de emprego, educação etc. A cidade passa de palco a protagonista da vida urbana, daí a importância da mobilidade e da localização da moradia.
Se o mercado imobiliário reage às intenções de consumo de seus clientes, conclui-se, também, que houve uma significativa evolução na capacidade crítica do cidadão, que passa a exigir um imóvel mais completo, mais urbano.
Estes dados mostram um cidadão que, mesmo que intuitivamente, percebe a necessidade de uma cidade mais compacta, acessível e econômica, sem os pesados custos indiretos dos grandes deslocamentos. Uma cidade descentralizada, não espalhada, densa e que não confunda densidade com verticalização.
Não por outro motivo, no Plano SP2040, feito pela prefeitura com universidades e entidades civis, a "cidade de 30 minutos", que propõe como meta este intervalo máximo de deslocamento do cidadão para qualquer de seus destinos cotidianos, é um item dos mais importantes.
Estes dados confirmam, por fim, a necessidade de mudança do modelo de urbanização de São Paulo -que, de cidade do carro, deve voltar a ser a cidade do cidadão.

Cidade e Cultura


Sérgio Magalhães
*Artigo publicado originalmente na revista Ciência Hoje nº 298.
É comum ouvirmos dizer que a cidade é o maior e mais importante produto da cultura. Tal como a literatura, a pintura, a música, entre outras manifestações do espírito humano, também a arquitetura e o urbanismo expressam o tempo e o contexto em que se apresentam. Sendo trabalhos de autor, também são produtos embrenhados no coletivo e nas influências a que se associam.

Há poucos exemplos no mundo de cidades produzidas tão claramente como expressão de um tempo e de determinadas circunstâncias como Brasília. Não apenas nas decisões políticas que permitiram sua concretização, mas, em especial, no próprio desenho arquitetônico-urbanístico que orientou sua materialização no cerrado brasileiro.

Foi a maestria de Lucio Costa que permitiu a estruturação simples e monumental da nova cidade; foi a invenção de Oscar Niemeyer que ofereceu aos edifícios a síntese formal capaz de imediatamente comunicar um novo tempo. Foi da união entre os projetos urbanístico e arquitetônico que o país e o mundo conheceram as imagens tão belas e tão impregnantes que deram a certeza de que, ali, se construía um novo país. Essa convicção permitiu que, tendo se realizado o concurso público para escolha do plano piloto em 1957, a nova capital pudesse ser inaugurada já em 1960.

É claro que os arquitetos de Brasília, dos mais bem informados de seu tempo, sabiam o que acontecia em outros lugares, conheciam as arquiteturas mais prestigiadas, e delas recebiam influências importantes – e também nelas conformavam novos valores.

Todo este preâmbulo é para lamentar o que está sendo proposto para a capital do país. O governo do Distrito Federal acaba de contratar uma empresa de Cingapura para elaborar um plano estratégico econômico-urbanístico que oriente o desenvolvimento da cidade nas próximas cinco décadas: “Brasília 2060”.

É louvável que o governo do DF busque planejar o futuro de Brasília. Como as demais grandes cidades brasileiras, a capital federal se ressente da ausência de políticas públicas consistentes, carência que o país precisa superar para garantir seu pleno e democrático desenvolvimento.

É necessário que cada cidade tenha seu planejamento, seus planos e projetos; concebidos e debatidos amplamente, para terem legitimidade. Planos que permitam alcançar a ordenação do território no médio e no longo prazo, como um instrumento de Estado. Pela importância que têm para os cidadãos e para o desenvolvimento nacional, as cidades não podem ser planejadas apenas para o dia seguinte, como uma decisão de governo.

Assim, também a nossa ‘capital da esperança’, Patrimônio Cultural da Humanidade, precisa desenhar seu futuro urbanístico para além do núcleo original, do qual é absolutamente indissociável. Nessa simbiose está a maestria requerida. É um trabalho requintado, sofisticado, que – à altura daquele talento fundador da cidade – exige a compreensão das dimensões políticas, sociais e culturais em jogo. Brasília não é de um governo. Brasília é a cultura brasileira plasmada no espaço do planalto central.

Planejar-se o futuro de Brasília a partir de pranchetas localizadas em Cingapura é um crime de lesa cultura. A capital federal não pode dar a si mesma um atestado de deslumbramento ingênuo ante expressões urbanísticas e arquitetônicas de outro contexto e de outra cultura – as quais, aliás, e com todo o respeito, se apresentam como transplantadas dos países mais desenvolvidos.

O Brasil tem 20 metrópoles, duas megacidades, uma população urbana de 175 milhões de pessoas, que tem demonstrado uma capacidade invulgar de construir um futuro com determinação, democracia e esperança.

A capital federal é o símbolo material desse espírito.

Brasília by Cingapura

Sérgio Magalhães
*Artigo publicado originalmente no jornal O Globo de 10/11/2012

Tal como a literatura, a pintura, a música, entre outras manifestações do espírito humano, também a arquitetura e o urbanismo expressam o tempo e o contexto em que se apresentam. Sendo trabalhos de autor, também são produtos embrenhados no coletivo.

Há raros exemplos no mundo de cidades produzidas tão claramente como expressão de um tempo e de determinadas circunstâncias como Brasília.


A maestria de Lúcio Costa é que permitiu a estruturação simples e monumental da nova cidade; a invenção de Oscar Niemeyer é que ofereceu a síntese formal capaz de comunicar um novo tempo. A união entre os projetos urbanístico e arquitetônico fez surgir imagens tão belas e tão impregnantes que deram a certeza de que começava um novo país. Essa convicção levou a que, tendo se realizado o concurso público para escolha do Plano Piloto em 1957, a nova capital pudesse ser inaugurada já em 1960.


É claro que os arquitetos de Brasília, dos mais bem informados de seu tempo, sabiam o que acontecia em outros lugares, conheciam as arquiteturas mais prestigiadas, e delas recebiam influências importantes — e também nelas conformavam novos valores.


Este preâmbulo é para lamentar o que está sendo proposto para a capital do país. O governo do Distrito Federal acaba de contratar uma empresa de Cingapura para elaborar plano econômico-urbanístico que oriente o desenvolvimento da cidade nas próximas cinco décadas: “Brasília 2060”. (Aliás, contratada sem concurso público, sem licitação.)


É louvável que o governo do DF busque planejar o futuro de Brasília.


É necessário que cada cidade tenha seu sistema de planejamento, seus planos e projetos — concebidos e debatidos amplamente, para terem legitimidade. Planos para a composição do território no médio e no longo prazos. As cidades não podem ser projetadas apenas para um mandato, como uma decisão de governo.


Brasília cresceu e se multiplicou, tão sem cuidados adequados como as demais grandes cidades brasileiras. Assim, a “capital da esperança”, Patrimônio Cultural da Humanidade, precisa desenhar-se para além do Plano Piloto, do qual é indissociável.


Certamente, é um trabalho urbanístico sofisticado, que — à altura daquele talento fundador da cidade — exige a compreensão das dimensões políticas, sociais, econômicas e culturais em jogo. Brasília não é de um governo. Brasília é a cultura brasileira plasmada no espaço do Planalto Central.


Planejar-se o futuro de Brasília a partir de pranchetas localizadas em Cingapura é um ato de lesa-cultura. O país não pode dar a si mesmo um atestado de deslumbramento ingênuo ante expressões urbanísticas e arquitetônicas de outro contexto e de outra cultura — as quais, aliás, e com todo o respeito, se apresentam como transplantadas dos países mais desenvolvidos.


O Brasil tem 20 metrópoles, duas megacidades, uma população urbana de 175 milhões de pessoas, que tem demonstrado determinação invulgar ao construir o seu sistema de cidades.


A capital federal é o símbolo material desse espírito.

segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Espaço e política

Sérgio Magalhães
*Artigo publicado originalmente no jornal O Globo de 06/10/2012
Estamos vivendo um momento de eleições municipais. Supostamente, os problemas urbanos brasileiros estariam no centro dos debates. No entanto, não é o que se vê.
A organização político-institucional brasileira estabelece três escalas de administração, compostas pela União, pelos estados e pelos municípios, distribuindo as competências segundo esse principio.
Nossos estados são diversos, em área, em economia, em história. Mas todos tem responsabilidades iguais, tais como a segurança pública e o ensino médio. Assim ocorre com os municípios, a todos competindo as mesmas atribuições, em especial as relativas à ocupação do território. Também o regime eleitoral é o mesmo para todos os municípios, grandes ou pequenos, populosos ou não.
No entanto, esta igualdade institucional que, em princípio, é louvável, não é promissora em muitas situações. É o caso das grandes cidades. Nas metrópoles, onde a complexidade urbana é enorme, o regime eleitoral pouco contribui para o enfrentamento das questões espaciais, tais como a habitação, a mobilidade e o saneamento.
Para o Legislativo municipal, votamos em um nome entre centenas. Não há vínculos necessários entre o candidato e determinada região da cidade ou algum tema urbano. Há poucas dezenas de vereadores representando vários milhões de habitantes, onde os eleitos podem ter sido sufragados por apenas alguns poucos milhares. Em países onde a urbanização é mais antiga, como a França e a Inglaterra, os municípios são pequenos, permitindo uma representação mais próxima. Na democracia, a relação entre representado e representante precisa ser clara.
A igualdade entre competências municipais faz com que o prefeito de uma grande cidade tenha atribuições gigantescas, porém, paradoxalmente, restritas e parciais. Na mobilidade urbana, uma questão vital, limitam-se ao modo rodoviário –e, assim mesmo, em parte. O sistema de trens e metrô não é de sua competência; tampouco o de ônibus e vans interurbano. Logo, o projeto de mobilidade para a cidade provavelmente será incompleto.
O prefeito de uma grande cidade, muitas vezes um colégio eleitoral maior do que muitos estados, fica contido por atribuições deslocadas da realidade. Em casos de cidades metropolitanas, que envolvem vários municípios, seria indispensável uma representação política compatível. Ao prefeito da cidade-núcleo, quase sempre a capital do estado, poderia competir algum protagonismo político, sobretudo na articulação de ações metropolitanas. Como hoje está, as cidades metropolitanas, em geral, não contam com políticas integradoras.
Com vinte metrópoles e duas megacidades, onde mora quase metade da população, nosso país precisa rever essa dimensão político-institucional e de gestão das grandes aglomerações, núcleo estratégico do desenvolvimento nacional. Conhecimento e inovação, binômio que está na base da economia neste século 21, são essencialmente urbanos.
Sabemos que nossas cidades constituem nosso mais amplo e abrangente patrimônio sócio-cultural. Contudo, também conformam um passivo sócio-ambiental que é preciso enfrentar com determinação, recursos e planejamento –indispensáveis para alcançarmos uma qualidade urbana compatível com a democracia e com as exigências contemporâneas. A política precisa estar associada ao espaço.

segunda-feira, 1 de outubro de 2012

Novas estrelas


Sérgio Magalhães
Nestes tempos em que tanto se exalta o edifício do grande autor, sobretudo quando  integrante do seleto mundo de arquitetos-estrela, é instigante ouvir um jovem arquiteto ressaltar o compromisso com a obra de todos.
Thaddeus Pawlowski, do Departamento de Planejamento da cidade de Nova York, em visita ao Brasil, para participar do encontro ArqFuturo, em São Paulo, dá entrevista ao Globo que vale a pena conferir.

“Sempre haverá espaço para grandes trabalhos criativos, mas é muito mais desafiante lidar com esses problemas urbanos. Bolar um jeito de formalizar casas informais, por exemplo (...). Os gênios arquitetônicos de amanhã serão os que resolverão os grandes problemas urbanos.”

Vale a pena conferir a íntegra da entrevista em:

sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Transporte público desafia o próximo prefeito


Mauro Osório*
Hoje, o jornal O globo publicou Editorial, com o seguinte título: “Transporte público desafia o próximo prefeito”.

Concordo com a preocupação. E acho importante lembrar que, de acordo com o Censo 2010, o tempo médio de transporte na metrópole carioca é maior do que na RMSP.

O Editorial destaca que: “Especialistas cobram dos candidatos planejamento integrado entre as malhas para atender a crônicas demandas do setor”.

Sobre esse ponto, uma primeira consideração importante é que o estruturante da relação entre os modais deveria ser o transporte sobre trilhos. O José Serra, por exemplo, tem dado bastante ênfase a isso, em sua campanha.

Com relação a uma maior integração dos modais, deve-se lembrar que a todo momento se fala no bom relacionamento entre as esferas de governo. Por que não, então, integrar mais a política da cidade do Rio de Janeiro com a do Governo do Estado? Em São Paulo, a Prefeitura entra, inclusive, com recursos financeiros.

Hoje, a mídia divulgou que o Governo do Estado “iniciou os estudos para um projeto de expansão do metrô, passando por Jardim Botânico, Humaitá e Laranjeiras”. A iniciativa me parece correta, se observada isoladamente.

No entanto, é importante ressaltar, em termos de prioridade, que o público a ser atendido nos municípios da periferia da RMRJ, na Zona Suburbana e nas RAs de Santa Cruz, Bangu, Campo Grande, Realengo e Guaratiba (AP-5) é várias vezes maior e mais necessitado.

Além disso, enquanto na Barra moram apenas em torno de 5% da população carioca, e na Zona Sul e Tijuca, juntas, em torno de 15%, no conjunto da Zona Suburbana e AP-5 moram em torno de 70% da população carioca, que se deslocam hegemonicamente para trabalhar, todos os dias, na Zona Central da cidade, onde estão em torno de 35% dos empregos formais da cidade do Rio.


*Economista, professor da UFRJ e Doutor em Planejamento Urbano e Regional pelo IPPUR/UFRJ.

terça-feira, 18 de setembro de 2012

Crescer para dentro


Sérgio Magalhães
*Artigo publicado originalmente no jornal O Globo de 08/09/2012
A formação clássica da família, ‘casal com filhos’, deixou de ser maioria no Brasil, segundo o IBGE. Hoje, outros tipos de família formam a maioria. São famílias pequenas: casais sem filhos, um genitor e filhos, ou unipessoais.
Qual a influência dessa nova constituição familiar em nossas cidades?
Na década de 1930, Frank Lloyd Wright, notável arquiteto americano (autor do projeto do Museu Guggenheim, em Nova York), que considerava a vida gregária como escravizadora, concebeu um modelo de cidade onde cada família teria um grande lote, quase meio hectare, para “a formação de uma nação de homens livres e independentes”. Tal “urbanismo naturalista” estimulou o subúrbio norte-americano, de baixa densidade, homogêneo e monofuncional, moldado pelo automóvel –de fato, a anti-cidade. O modelo teve larga repercussão, e também é matriz do hoje conhecido condomínio fechado.
Mas, neste século 21, as cidades se consolidam como lugar do desenvolvimento, do conhecimento e da inovação. A mudança na constituição familiar reflete os avanços sociais, sanitários, culturais, políticos e econômicos que têm a cidade como fonte. Para a nova família, a conexão com os equipamentos e serviços urbanos precisa estar à disposição com maior presteza e intensidade do que se fazia necessário quando a família era extensa. A casa será menor, mas mais equipada, mais bem inserida no contexto urbano. Moradia e cidade formam um só corpo.
Em simultâneo, embora os sistemas eletrônicos absorvam grande parte da comunicação interpessoal, paradoxalmente, o deslocamento físico sofreu grande impulso. A mobilidade tem aumentado no tempo e em proporção ao tamanho das cidades. São mais oportunidades de convívio, mais interesses dispersos, que produzem uma interação mais rica –e que exigem mais deslocamentos. Não apenas casa-trabalho, mas em múltiplas direções; não em linha, mas em rede –tal como nas comunicações eletrônicas. Isto é, um tecido urbano mais complexo.
Com a família menor, a cidade com diversidade urbanística e arquitetônica é ainda mais desejável. A família pequena precisa do apoio das disponibilidades coletivas, para ela torna-se essencial uma cidade bem mantida, bem conservada. Uma cidade mais densa, um espaço público com vitalidade.
A cidade extensa, com território infinito, não se sustenta nesse novo panorama. É ilusório achar que se constrói o futuro quando simultaneamente se permite a perda de densidade demográfica nas cidades. Não se conseguirá dotar esse futuro com os requisitos da sua contemporaneidade. Novos bairros, grandes conjuntos, grandes condomínios, homogêneos socialmente e monofuncionais como os subúrbios de Wright, mesmo que verticalizados, se isolados da cidade, já nascem obsoletos.
Como afirma Renzo Piano, grande arquiteto italiano (co-autor do projeto do Centro Pompidou, em Paris): “Uma cidade não acontece construindo mais e mais na periferia. Se você tiver de crescer, cresça dentro.”
A família contemporânea, pequena, deseja ainda mais cidade. 

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

O carrocentrismo na mira da crítica industrial

Ricardo Abramovay
14/09/2012




A condenação do automóvel individual como forma predominante de transporte nas grandes cidades é cada vez mais ampla, incisiva e bem fundamentada. E o mais interessante é que essas críticas começam a tomar corpo no interior da própria indústria.Nos países desenvolvidos, o automóvel é frequentemente comparado ao tabaco, em função de seus efeitos danosos sobre a vida urbana.
É verdade que, em muitos casos, a indústria automobilística empenha-se no uso mais eficiente de energia e de materiais. Mas isso não impede Bill Ford, bisneto do fundador da companhia que leva seu nome, de fazer a constatação fundamental: uma vida urbana melhor é incompatível com o horizonte de que cada família possua dois carros. A Ford tem um plano de mobilidade em três etapas (para um período que vai além de 2025) cujas bases estão, simultaneamente, nos ganhos de eficiência que as tecnologias da informação trarão ao automóvel e, ao mesmo tempo, na perda do poder que ele tem hoje na matriz mundial dos transportes.
A partir de 2025, segundo a empresa, a paisagem dos transportes será outra, com pedestres, bicicletas, veículos individuais e transportes coletivos conectados em rede, com base em poderosos dispositivos digitais.
Da mesma forma que a IBM abandonou a produção de computadores pessoais, mas se manteve líder em mainframe e serviços de informação em rede, a indústria automobilística vai ter que se reinventar.
Foi a mensagem do encontro promovido pela "Audi Urban Future Summit" (Audi) em 2010, no qual personalidades importantes da sociologia mundial como Saskia Sassen e Richard Sennet contribuíram para que fossem colocadas questões decisivas: será que as empresas automobilísticas de hoje produzirão carros no futuro? Isso convém à ambição de melhorar a mobilidade nas grandes cidades?
É verdade que, até aqui, a maior parte do setor tem fechado os olhos a essas perguntas.Um executivo da Volkswagen, diante das cotas de emplacamento adotadas em grandes cidades chinesas, como reação à poluição e aos engarrafamentos no país, não hesitou em declarar que a empresa se dirigiria ao interior e que isso não prejudicaria a expansão de seus negócios. As perspectivas de ganho por parte da indústria são tão grandes que entre cidades sustentáveis e ampliação na frota de automóveis a opção das montadoras deixa, infelizmente, pouca margem a dúvidas.
É muito importante, neste sentido, o documento recente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), fruto do excelente estudo levado adiante pela equipe liderada por Sérgio Magalhães, arquiteto, urbanista, professor da FAU/UFRJ e ex-secretário de Habitação do Estado do Rio de Janeiro.
Na apresentação do trabalho, Robson Braga Andrade, presidente da entidade, afirma: "As cidades brasileiras estão parando". Os ambientes urbanos são cada vez mais importantes na inovação, no emprego e em uma vida social mais rica e diversificada e, no entanto, as cidades, apesar de seu extraordinário dinamismo, são incapazes de oferecer horizontes promissores à maior parte dos que nelas habitam.
Na raiz do estrangulamento urbano está a maneira como se formou, no Brasil, o vínculo entre habitação e transportes. Em vez de concentrar o crescimento urbano ao longo dos equipamentos de transportes sobre trilhos, predominantes na primeira metade do século 20, as cidades brasileiras adotaram um caminho duplamente perverso.
Por um lado, promoveram formas de ocupação do espaço habitacional que aprofundou o abismo entre periferias, desprovidas de serviços públicos, com baixa densidade populacional e onde é precária a própria presença do Estado e áreas centrais com força econômica, para as quais é preciso deslocar-se diariamente num esforço extremamente penoso e que consome tempo imenso.
Por outro lado, submeteram-se ao império do transporte motorizado e sobre pneus, capaz de chegar justamente a essas áreas distantes, mas desprovidas das infraestruturas elementares de uma vida urbana civilizada.
De todas as habitações construídas no país, 80% não contaram com qualquer tipo de financiamento formal ou assistência pública. O problema desta autoconstrução, como bem coloca o documento da CNI, é que "a família produz o domicílio, mas só o coletivo produz infraestruturas".
Mesmo que a renda dessas famílias tenha, recentemente aumentado, elas seguem, em sua maioria, distantes dos bens públicos e dos equipamentos coletivos sem os quais dificilmente se pode falar em cidadania. Saneamento precário, transportes de baixa qualidade, dificuldades crescentes com relação à segurança em áreas distantes dos grandes centros, estas são algumas das marcas decisivas das periferias brasileiras.
A elas acrescentam-se os congestionamentos, que comprometem não só a mobilidade dos que têm carros, mas, sobretudo, a dos que dependem desses transportes coletivos de baixa qualidade. Como os congestionamentos são cada vez maiores e atingem número crescente de cidades (e não só as metrópoles), cria-se imensa pressão para que as autoridades resolvam o problema do trânsito, abrindo novas vias que, em pouco tempo, acabam tão intransitáveis quanto aquelas às quais elas tinham, originalmente, a intenção de imprimir maior fluidez.
Transportes coletivos de alta qualidade, financiamento a habitações populares e, ao mesmo tempo, contenção do espalhamento geográfico das cidades, são os três vetores fundamentais para um ambiente urbano capaz de propiciar desenvolvimento a seus habitantes.
Apesar da profundidade do diagnóstico e da criatividade das propostas para enfrentar os problemas urbanos brasileiros, o texto da CNI deixa de levantar justamente a questão central que Bill Ford e os participantes do evento da Audi discutem: continuar aumentando a produção de automóveis individuais, será isso coerente com a inversão das prioridades do planejamento urbano em direção a transportes coletivos de alta qualidade?
O documento faz propostas interessantes à atuação do poder público para ampliar a mobilidade. Mas não é admissível que, diante de constatações tão ricas e bem fundamentadas, as atividades das montadoras sigam de vento em popa, com vasto apoio governamental, como se elas nada tivessem a ver com o colapso das cidades que o estudo de sua representante maior, a CNI, denuncia.

segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Corbusier no Brasil


Sérgio Magalhães

Aos que estiverem em São Paulo, vale a pena visitar a exposição sobre a viagem que Le Corbusier fez à América Latina, em 1929. Organizada pelo arquiteto e professor Hugo Segawa, a mostra estará aberta até 21 de outubro, no Centro Universitário Maria Antonia. Ela cobre as reflexões e propostas do grande arquiteto franco-suiço sobre Montevideo, Buenos Aires, São Paulo e Rio de Janeiro.

Esta parte, do Rio de Janeiro, foi objeto de outra exposição, em 1998-1999, organizada pelo arquiteto Yannis Tsiomis, e promovida pelo Centro de Arquitetura e Urbanismo do Rio de Janeiro, PCRJ, então dirigido pelo saudoso colega Jorge Czajkowski. A propósito, foi publicado o livro "Le Corbusier - Rio de Janeiro 1929, 1936", pois inclui também a estada do arquiteto por ocasião dos estudos para o edifício do MInistério da Educação e Saúde, hoje Palácio Capanema, em 1936.

Veja matéria sobre a mostra de SP publicada pelo jornal Folha de São Paulo:
http://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/1142772-exposicao-retrata-encantamento-de-le-corbusier-em-viagem-pela-america-do-sul.shtml 

terça-feira, 21 de agosto de 2012

Presidente do IAB fala do projeto olímpico e usos do espaço em entrevista à “Época

por  IAB-RJ
Em entrevista à revista “Época”, publicada em 20 de agosto, o presidente do IAB, Sérgio Magalhães, fala dos projetos urbanísticos para os Jogos Olímpicos de 2016 no Rio de Janeiro, sobre o uso dos espaços nas cidades brasileiras e a questão dos serviços públicos.
Leia a entrevista na íntegra

Novos ares sopram no Porto e no velho Centro


Sérgio Magalhães
*Publicado originalmente no encarte especial  "Agora é com o Rio" do Globo em 13/08/2012
Três atributos caracterizam historicamente os centros das cidades: melhor acessibilidade, lugar mais bem infraestruturado, repositório dos equipamentos mais representativos. O centro é o espaço da identidade cidadã. As principais cidades mundiais reconhecem esse caráter vital. Assim, cuidam para que seus centros preservem aqueles três atributos.
Diferentemente, o Rio pouco investe na sua área central. Desde a construção do metrô, nos anos 1970, prioriza outras áreas. Há correlação entre decadência do Centro, degradação da Zona Norte, expansão em baixa densidade a Oeste, escassez de serviços, aumento da violência.
O aproveitamento do Porto como um novo polo de desenvolvimento vale como dádiva, após décadas de decadência do Centro. O acordo entre as três de governo, foi alcançado quando o Rio ganhou a Olimpíada.
Os jogos são aglutinadores de esforços. Juntar Olimpíada e Porto, implantando parte dos equipamentos de interesse olímpico na região, associaria o Centro aos Jogos e sinalizaria no sentido de sua recuperação.
O Porto Olímpico é fruto da sábia decisão de levar para lá as Vilas da Mídia e de Árbitros. Um concurso público de arquitetura escolheu os melhores projetos. Há pouco, foi anunciada a construção de 1.300 apartamentos, hotéis, apart-hotéis e edifícios comerciais.
Não podemos minimizar as dificuldades superadas. A quatro anos dos Jogos não podemos perder tempo e energia.
No Porto Olímpico, pode-se construir outras três mil habitações. Um Centro de Convenções poderá ser útil aos Jogos e à cidade. Investir aí fortalecerá São Cristóvão. O eixo olímpico Deodoro-Engenhão-Maracanã-Sambódromo é um estímulo à recuperação do corredor Central do Brasil.
Se a PPP da Área Portuária garante a obra de infraestrutura, o sucesso do Porto Maravilha depende da mais pronta ocupação de terrenos disponíveis e da qualidade urbana. É fundamental a diversidade de usos, comerciais, corporativos, culturais e residenciais. – gente de toda renda, as que já moram e as que vão chegar.
Não convém apostar muitas fichas em prédios com 50 andares, que não são poderosos ímãs do desenvolvimento, como alguns imaginam, e podem ser miragem.
É boa a parceria entre os Jogos, o Porto e o velho Centro — se recuperando em acessibilidade, infraestrutura e patrimônio. O lugar onde o Brasil construiu sua identidade.

sexta-feira, 17 de agosto de 2012

O Rio em 1953

André Luiz Pinto

Crescer para dentro

Sérgio Magalhães

O mais alto edifício da Europa celebra uma mudança de paradigma, segundo seu autor, o arquiteto Renzo Piano:
“Este edifício, The Shard, conta uma história completamente diferente. Celebra a ideia de que o crescimento de uma cidade não acontece construindo mais e mais na periferia. Se você tiver de crescer, cresça dentro. Não sou um defensor de prédios altos, mas defendo o adensamento da cidade pelo Centro.” *
A velha Londres não tem sido avara na oferta de exemplos importantes para as cidades. Depois que acabou com o arquissecular fog, despoluiu também o Tâmisa, aproveitou suas docas ociosas para reforçar seu centro –as Docklands, e quando chegou a Olimpíada, tratou de recuperar a sua região mais pobre e degradada, localizada a 6km do Centro.
Muitos atribuem o momento pujante que Londres vive ao fato de ser uma das âncoras do sistema financeiro internacional. Sua recuperação urbanística seria uma consequência. E se for o inverso? E se for a boa cidade, de vida urbana rica, de espaços qualificados, de intensa vida cultural, a causa superior? E se os ricos do mundo escolhem Londres também porque é bom viver aí?
Afinal, paraísos fiscais existem alguns. Mas Londres é somente uma.
(*) Fonte: revista AU, número 221.  

quarta-feira, 15 de agosto de 2012

Valorizar a diferença


André Luiz Pinto
por O GLOBO 11.08.2012
Sociólogo americano diz que cidades devem ser repensadas para estimular cooperação entre diversos grupos sociais:

"Temos que valorizar a diferença."

Na entrevista publicada no jornal O Globo o sociólogo Richard Sennett afirma a necessidade de reforço no planejamento urbano nos centros e, especialmente, no que chama de "as margens das comunidades".
Para o sociólogo é nestas zonas das cidades que mais deve ser estimulada a cooperação entre diferentes transformando estas "zonas mortas" em espaços que permitam estimular a interação e a diversidade.
Segue neste link a entrevista de Richard Sennett.

segunda-feira, 13 de agosto de 2012

Obra coletiva


Sérgio Magalhães
*Artigo publicado originalmente no jornal O Globo em 04/08/2012.
Há poucos dias, foi divulgado acordo firmado entre o Ministério Público Estadual e a Supervia, concessionária dos trens urbanos do Rio. A empresa fará obra para reduzir o vão entre o trem e a plataforma de embarque, na estação Triagem. Vamos entender: quando pára o trem na plataforma, fica “fresta” com inacreditáveis 80cm de largura, que os passageiros têm que pular.
A Supervia opera os serviços de trem urbano desde 1998. Por que esperou ação do MPE para fazer essa obra elementar?
Nesta semana, entrou em operação outro trem importado da China. Serão trinta até 2014, em uma frota de cento e sessenta. A concessionária diz que até 2016 todos serão novos ou reformados. Esse objetivo é passo importante para a recuperação do sistema.
No entanto, grande parte das estações está como em meados do século passado. As plataformas são descobertas, expostas ao sol e à chuva. Os acessos são por escadas com altura equivalente a três andares. Uma reforma dessa base física, para dar conforto ao usuário, não exige importação da China, basta haver projeto e decisão. Os recursos são ínfimos, se comparados com investimentos em rodovias.
A meta da Supervia é dobrar o número de viagens, chegar a um milhão/dia. O mesmo que há quarenta anos, quando a população era a metade de hoje. Pela abrangência da rede na metrópole, seria possível transportar mais de dois milhões de passageiros/dia. Por que não buscar essa meta? (O Rio é a cidade do país onde se gasta mais tempo na viagem casa-trabalho.)
Tal questão se insere no quadro de precariedade dos serviços públicos em nossas cidades. O saneamento na Baixada Fluminense chega à espantosa cifra de apenas 0,5% de esgoto tratado em Nova Iguaçu, que tem 800 mil habitantes. Também por isso, a despoluição da Baía de Guanabara pouco progride. O que explica que novos corredores de ônibus imponham aos passageiros usar escada e passarela para atravessar a rua que separa estação e calçada –ambas no mesmo nível? É o privilégio ao automóvel, que elimina sinais de trânsito em vias urbanas, apesar do corredor ser destinado ao serviço de transporte coletivo...
Nestas décadas em que o país passou de “eminentemente agrário” para “sexta economia”, nossas cidades foram maltratadas, subjugadas ao interesse de outras políticas setoriais. Acostumamo-nos à carência de investimentos em mobilidade, saneamento, habitação, à escassez de serviços públicos.
De fato, as cidades subsidiaram o desenvolvimento nacional.
Neste século 21, porém, as coisas mudam. O desenvolvimento se dará a partir do conhecimento e da inovação, cujo lugar é a cidade. Assim, o importante passivo sócio-ambiental urbano brasileiro se coloca como um desafio estratégico a ser enfrentado. Onde, também por exigência do avanço democrático, a universalização de bons serviços urbanos é condição indispensável.
Trazer os serviços públicos urbanos para a nossa contemporaneidade é obra coletiva, dos governos, da sociedade, de suas organizações. Não será coisa simples. Há de ser uma agenda de todos.

segunda-feira, 30 de julho de 2012

André Luiz Pinto
"André Sanches, de metrô, Carlos Eduardo Éboli, de táxi, Leandro Lacerda, de ônibus, e Leandro Mota, de bicicleta, toparam o desafio de ir até à região leste de Londres na noite da cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos de 2012.
Quem chegou primeiro? André utilizou a malha ferroviária, uma das maiores do mundo. Éboli preferiu ir de carro para conhecer o congestionamento britânico. Lacerda arriscou usar os famosos ônibus vermelhos da Inglaterra. Mota foi pedalando pelos doze quilômetros de distância entre o Palácio de Buckingham e o Parque Olímpico, em Stratford."
A Conclusão no fim do vídeo é clara:
"A eficiência de um sistema público de transporte em grandes cidades está diretamente ligada ao tamanho da rede ferroviária."
As principais cidades do Brasil erram ao priorizar o sistema rodoviário. A solução para a mobilidade urbana passa obrigatoriamente pela expansão das redes de metrô e trens. Londres tem 400Km de trilhos, muito mais do que São Paulo (73Km) e Rio (41Km)."

terça-feira, 17 de julho de 2012

A cultura do convívio

Sérgio Magalhães
*Artigo publicado originalmente no jornal O Globo de 07/07/2012
O Rio de Janeiro desde sua fundação está referenciada a marcos geográficos que a distinguem. Contudo, para deixar de ser geografia e se tornar cidade, o Rio precisa de suas experiências erguidas pelo homem –seus edifícios, seu urbanismo, a vida em seus espaços urbanos. É na mescla entre todos eles que a imagem ambiental da cidade se expressa. E que acaba de receber da Unesco o reconhecimento de Patrimônio Mundial da Humanidade, como Paisagem Cultural.
A imagem ambiental de uma cidade é constituída pela superposição de suas experiências na história. Assim, os elementos simbólicos que a representam exprimem diversos tempos e desejos. Paris tem dois mil anos, mas a Catedral de Notre Dame, exprimindo o espírito do medievo, e a Torre Eiffel, reverência à tecnologia moderna, sintetizam dois tempos da cidade. No espaço de suas ruas, público e livre, certamente está o ideal democrático que a Revolução Francesa proclamou. Flanar pela cidade, como Baudelaire consagrou, tornou-se marco universal.
Também Nova York, com quatrocentos anos, tem nos arranha-céus do século XX a sua imagem. Contudo, são as suas ruas que organizam a vida pública com o sabor que atrai o mundo.
Mas, as cidades não se congelam. Elas têm vida –e se modificam conforme os valores das gerações. Aí reside a condição que as tornam a maior obra da cultura.
Com a República, o Rio se refez como capital e, em simultâneo, incorporou o mar à sua vida urbana. Soube fazê-lo. Preservou sua multiplicidade espacial e promoveu uma feliz sinergia entre a cidade e a praia, a qual tornou ineditamente pública, livre, acessível. A calçada de Copacabana e o Aterro do Flamengo são dois espaços públicos a beira mar que agora ajudaram a alcançar o reconhecimento da Unesco.
Mas, se o século XX foi pródigo em tecnologia que transformou nossas vidas, também o foi em modelos urbanísticos. Os pensadores modernos quiseram cidades onde tudo estivesse definido. Lugar para residir, lugar para trabalhar, lugar para recrear. Edifícios soltos entre jardins que valorizassem o bucólico. Isto, de fato, é a rejeição da vida urbana e a idealização do campo.
É fruto dessa matriz o condomínio fechado que pontua as expansões ricas de nossas cidades –caracterizado pela homogeneidade social. Também o são os grandes conjuntos residenciais populares. Iniciados nos anos 1940, tiveram apogeu com o BNH, e voltaram ao proscênio na última década.
Muitas cidades seguiram esse caminho da especialização também em seus centros, destinados apenas a edificações comerciais e corporativas. No Rio, nos anos 1970, a lei proibiu construir moradia no Centro –e, obviamente, estimulou o esvaziamento que se constata à noite e aos fins de semana.
Com cem anos desses modelos urbanísticos, a reflexão contemporânea tem sido severa. O monofuncionalismo, urbano ou edilício, reduz a interação social. Edifícios isolados promovem espaço público mal definido e pouco usado. A consequente dispersão urbana encarece os serviços públicos e empobrece a cidade; torna-a mais desigual.
Embora reconhecida a inadequação, tais modelos continuam pontuando as cidades. Muitas áreas novas, sobretudo de expansão imobiliária, seguem a receita vencida, por inércia do senso comum, da legislação e da propaganda. (Há de ser útil para a especulação.) Mas isso não é um destino: depende de nós.
Tudo indica que o Rio vive um tempo redefinidor de desejos. Quando a cidade construiu o seu porto, criou uma zona monofuncional e afastou os então bairros litorâneos do mar –agora, tais aspectos deverão ser revistos. Está aí, no centro do Rio, a esperança e a oportunidade de um outro redirecionamento urbanístico que seja exemplar, em acordo com a própria cultura: a salvaguarda do espírito da cidade.
Será necessário, porém, que as novas ocupações reforcem a ideia da integração, com diversidade funcional e social. Edifícios, ao invés de se isolarem, que conformem bons espaços públicos para a vida urbana. Construções também elas multifuncionais, como aquelas que caracterizam os melhores lugares. Certamente, tal determinação há de ser da cidade, não pode ficar ao alvitre de financistas, sejam internacionais ou locais, ou mesmo de empreendedores, com interesses específicos. (O último banqueiro que desenhou pontes no Centro não foi feliz no projeto...)
O espaço público, que o Rio soube exaltar e sabe viver, é o lugar da interação e da diversidade. Ele se opõe à dispersão e à segmentação da cidade. E é essa cidade do convívio como cultura que precisamos garantir para as próximas gerações. Esta mesma que acaba de ser abraçada pela Humanidade através da Unesco.

quarta-feira, 20 de junho de 2012

China vai construir uma cidade do tamanho do RJ e SP por ano até 2033

No último século, a população da Terra teve um crescimento absurdo. Quintuplicou e chegamos aos 7 bilhões de habitantes. Mas será que tem espaço para todo esse mundaréu de gente morar com dignidade?

Link para a reportagem na página do Fantástico:

quinta-feira, 14 de junho de 2012

Como é difícil - Crônicas Agudas


REVISTA  AU   Edição 219 | Dezembro/2011
Por Sergio Teperman
Quanto mais uma pessoa influencia você na vida, mais você a menciona em conversas, conferências, artigos e tantas outras coisas. Se esse é o caso, a maior influência que tive na vida, para o bem ou para o mal, foi o mestre Vilanova Artigas (90% para o bem e 10% nem para o mal e nem para o bem).
Esta é, portanto, uma das únicas vezes em que citarei Artigas em uma situação, digamos, dúbia. O mestre sempre dizia que os arquitetos não deveriam se meter nos feios aspectos comerciais da construção.
Poucas vezes em minha existência algo influenciou e me fez tão mal quanto essa frase.
O prejuízo que os arquitetos e, consequentemente, a arquitetura brasileira tiveram com essa atitude do tipo "não se envolver" é incomensurável. O que deixamos de conhecer sobre detalhes, formas de construir, preços, custos nas obras tanto nos prejudicou que levou os arquitetos àquela pecha de sonhadores sem pé no chão e o resto dessa conversa fiada.
O prejuízo que os arquitetos e, consequentemente, a arquitetura brasileira tiveram com essa atitude do tipo "não se envolver" é incomensurável
Quando eu estava no terceiro ano da FAUUSP, recordo-me perfeitamente que meu pai, com o brilho nos olhos que lhe era peculiar, disse na mesa do jantar: "filho, vou te dar um serviço". E continuou... "você sabe aquele imóvel onde está a nossa farmácia? Você vai transformar as fachadas."
Meu pai e um sócio eram proprietários de um dos pontos mais famosos da cidade. A Farmácia Municipal ficava na esquina das ruas Barão de Itapetininga e Dom José de Barros, equivalente hoje, digamos, à Gabriel Monteiro da Silva com a Faria Lima.
"Nós vamos transformar a farmácia em várias lojinhas e já temos a planta; eu gostaria que você desenhasse as fachadas do conjunto." O engenheiro foi quem desenhou as plantas. Para que? Caí matando em cima do meu super e bem intencionado pobre pai: "Pai, eu sempre jurei que não ia desenhar fachadas para projetos de terceiros", naturalmente influenciado pelo velho Artigas. Meu pai ficou chocado, tristíssimo, como se fosse um criminoso e eu, natural e orgulhosamente, recusei o serviço. Que burrice!
No ano seguinte, um pouco mais experiente, menos estudante, menos burro, recebi uma nova incumbência do meu pai: desenhar com um grupo de colegas as perspectivas de apresentação do hospital Albert Einstein, do qual meu pai era um dos médicos fundadores e que tinha até me levado para ver o terreno onde construiriam o hospital. Vi então que não era nenhuma vergonha desenhar perspectivas das fachadas projetadas por outros arquitetos, no caso, o extraordinário Rino Levi, e aprender um pouco com ele e ganhar algum dinheiro.
Vejo agora com enorme alegria a mudança de mentalidade dos arquitetos sobre os aspectos gerais da construção, naturalmente incluindo os comerciais. Com maior satisfação ainda vejo arquitetos construindo galpões para alugar, tocando obras, vendendo materiais de construção, enfim, participando de todas as áreas e de todos os aspectos dessa enorme atividade que é a construção em nosso País. Por outro lado, impressiona-me mais ainda a coragem dos arquitetos empreendedores que constroem edifícios de apartamentos ou escritórios para venda. Sei que o resultado dessas obras será sempre muito superior à média da construção imobiliária e que essas edificações só trarão mais beleza às nossas cidades.
Fico pensando no passado longínquo, quando não havia essa tosca divisão entre os arquitetos, projetistas e construtores. O mal de décadas de erros nesse conceito nos levaram à criação das faculdades de arquitetura totalmente dissociadas da realidade da construção civil. Sei que em muitos países também persiste essa besteira da separação de atividades, mas não é por isso que devemos copiá-los. A arquitetura não fica em nada diminuída com os próprios arquitetos empreendendo e construindo suas obras.
Fico pensando naquele grupinho de arquitetos que um dia sentou, começou a sonhar alto, e se pôs a desenhar, comandados pelo genial Rino Levi e projetaram um edifício-ícone da arquitetura brasileira: o prédio do Instituto dos Arquitetos do Brasil, à rua Bento Freitas, em São Paulo. Aí se instalaram, nos diversos andares, escritórios de arquitetura e em alguns deles o próprio Instituto dos Arquitetos; a loja térrea foi alugada para que meu primo Milly Teperman ali se instalasse, para exposição e venda da famosa linha Herman Miller. A loja tornou-se em pouco tempo o ponto de encontro dos arquitetos em São Paulo. Se aquele grupo de malucos nos anos 50 empreendeu essa obra, que mal havia com o aspecto comercial da construção?