quarta-feira, 6 de julho de 2011

Um novo caminho

Artigo publicado originalmente no jornal O Globo de 02/07/2011
Sérgio Magalhães
Debater, discutir e criticar são ações indispensáveis para se alcançar uma cidade mais democrática, com bons serviços, uma cidade melhor. Nesta semana, o Rio de Janeiro deu mais um passo nesta direção, com a divulgação do concurso de projetos para o Porto Olímpico.

Por que tal concurso de arquitetura e urbanismo é importante para o Rio e para cidades brasileiras?

Assim que o Rio foi escolhido como sede olímpica, em meio à euforia, emergiu a defesa do melhor aproveitamento possível dos investimentos necessários aos Jogos de 2016. O prefeito da cidade explicitou o entendimento de que eles deveriam servir ao conjunto da cidade, sem privilégios por regiões. Não se tratava de desconsiderar os compromissos assumidos. Mas entre a apresentação da candidatura e a escolha da cidade, nova realidade surgiu. O projeto Porto Maravilha, iniciativa da Prefeitura, com o apoio do governo do Estado e do governo federal, tornou disponível extensa área no núcleo da metrópole –que poderia ser aproveitada para os Jogos.

A união dos três agentes governamentais e do presidente do COB, com o firme apoio dos meios de comunicação, permitiu ao prefeito Eduardo Paes propor ao COI a transferência de alguns equipamentos esportivos da Barra da Tijuca para o Porto. A proposta recebeu concordância parcial: admitiu-se aí implantar a Vila da Mídia e a dos Árbitros, que envolvem cerca de 5.000 unidades habitacionais, e alguns serviços, como o Centro de Mídia não credenciada. Agregou-se um Centro de Convenções, Feiras e um Hotel. A esse conjunto, denominou-se Porto Olímpico. A seguir, a Prefeitura promoveu, e, a seu pedido, o Instituto de Arquitetos do Brasil-RJ organizou, o concurso nacional de arquitetura e urbanismo para selecionar a melhor proposta, a ser construída em terrenos situados no entorno da avenida Francisco Bicalho. Participaram cerca de 1.000 arquitetos, em 83 equipes de todo o Brasil –em um debate invulgar, pelo volume e pela expressão, sobre conceitos do viver urbano contemporâneo.

Esse concurso acaba de indicar os vitoriosos, aptos a desenvolverem os projetos.

O Porto Olímpico cumpre vários papéis estratégicos para a cidade.

Primeiro, reforçando o Centro como lugar de negócios e de moradia, de comércio e de serviços. Ele estabelecerá um vínculo, de grande simbolismo para o futuro da cidade, entre os Jogos de 2016 e a recuperação do Centro do Rio.

Próximo das cinco linhas de transporte público sobre trilhos (as linhas 1 e 2 do metrô e as linhas de trens da Central, da Auxiliar e da Leopoldina), terá influência na modernização do eixo olímpico Deodoro-Engenhão-Maracanã-Sambódromo. Parece inevitável que esse eixo seja transformado em metrô, com trens circulando em intervalos curtos, composições seguras e confortáveis, em estações respeitosas para com o usuário: protegido da chuva e do sol e com acessibilidade plena a todo cidadão. Será um belíssimo legado se efetivado até 2016.

Outro papel estratégico está no desenho arquitetônico-urbanístico. Exemplifica um modelo que recupera o prazer do viver urbano compartilhando um espaço público de alta qualidade, desfrutando dos benefícios de morar e trabalhar em um lugar com diversidade de usos, de serviços e de renda. Justamente o que faz o encanto de Paris, de Nova York, de Londres, de Buenos Aires –e do Rio de Janeiro da Cidade Maravilhosa, esta da qual o Centro é a expressão inicial. O desenho do Porto Olímpico ressaltará as qualidades da cidade renovada, em ambiente contemporâneo. (O destino das cidades não precisa estar na vida em shoppings e em condomínios fechados.)

Finalmente, um terceiro papel estratégico: na escala em que se impõe, com 800.000m2 de construção, em terrenos equivalentes a 17 quarteirões, impactará positivamente os bairros vizinhos, incluindo a zona Norte, como atrativos para habitar e para trabalhar. Será assim um vetor de reaglutinação urbana, opondo-se à expansão difusa da cidade, com baixa densidade populacional –a qual, infelizmente, tem sido a tônica da ocupação urbana, não apenas do Rio, mas das cidades brasileiras em geral. Demonstrar um outro modelo, não predador, democrático, sustentável, é uma contribuição maiúscula que essa experiência carioca deverá representar. Quando se avizinha a Rio+20, comemorativa da Cúpula da Terra de 1992, é saudável debater concretamente um novo caminho.

O Centro do Rio confunde-se com a própria história do Brasil, afirmação da memória coletiva e de nossa identidade. Reforçá-lo como centro metropolitano, dar-lhe nova vitalidade, é, seguramente, uma boa causa. Vale a pena conhecer o que os arquitetos brasileiros concebem como a boa cidade, de hoje e do futuro.

Veja aqui um pouco dos trabalhos premiados no site do IAB-RJ

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