segunda-feira, 30 de maio de 2011

Desafios do novo perfil demográfico do Centro

*Editorial do jornal o Globo de 29/05/2011
O Censo 2010 registra uma estimulante tendência demográfica no Rio — a redescoberta do Centro da cidade, e seu entorno, como opção habitacional. Dados apontam um aumento,nos últimos dez anos, de 5,1% da população da Região Administrativa, que havia sofrido uma retração de 20,3% na década de1990. A retomada é ainda mais expressiva em outras áreas da região central, como a Zona Portuária, que registrara uma queda de 9,3%na década anterior. Pelo novo recenseamento,registrou um crescimento populacional de 21,7%. Há explicações sociais, urbanísticas, econômicas, administrativas e de ordem prática para esta curva ascendente.
O Rio tem um grave contencioso habitacional,reflexo de uma política de ocupação da qual resultaram nichos de moradia preferenciais— a Zona Sul e parte da Zona Norte,com boa rede de serviços urbanos mas adensamento populacional fora dos limites do suportável,e o subúrbio e a Zona Oeste, menos adensados, mas com infraestrutura urbana precária. O déficit de casas leva a população a buscar alternativas à demanda de prédios para uso familiar — daí o movimento rumo ao Centro, que também tem apelos como uma ocupação que ainda pode estender-se por áreas próximas, uma rede de serviços razoável e a proximidade do local de trabalho.
Outro fator ajuda a explicar a nova tendência: a revitalização do Centro, já visível em áreas como a Lapa, com muitos lançamentos imobiliários, e a Praça Tiradentes, reformada. Em outras regiões, a oxigenação urbanística é potencialmente real, como a Zona Portuária, com o projeto Porto Maravilha, incluindo intervenções como a demolição de parte do Viaduto da Perimetral.Também ajuda a levar água para o desenvolvimento desse espaço da cidade a decisão de para lá transferir uma parte do projeto dos Jogos Olímpicos de 2016.
Por óbvio, o movimento de reocupação do Centro implica modernizar, no mesmo ritmo, a rede de infraestrutura e serviços urbanos, bem como melhoraras condições de habitabilidade(segurança, mobiliário, incentivos à instalação de empresas,casas comerciais, colégios,hospitais, essenciais para tornar dinâmico o dia a dia), de modo a dotar a região das mesmas ofertas de lazer, educação e consumo de outros bairros.É fundamental também que o crescimento seja acompanhado de ações de ordem urbana,com a presença da Guarda Municipal para evitar abusos (calçadas mal conservadas,entulhadas de ambulantes) e preservar a qualidade de vida dos moradores.
O longo tempo de abandono do Centro, contra partida de uma política urbanística de que decorreu a gordura demográfica na ocupação da Zona Sul e a transferência de vultosos recursos preferencialmente para o desenvolvimento da Barra, deixou a região com grandes carências. Ademais, a área tem grande população flutuante nos dias de semana — pessoas que lá trabalham ou estão em compras —, o que só potencializa as demandas.
Eis, portanto, o poder público diante de um quadro com potencial para revolucionar o perfil demográfico da cidade. O desafio é gerenciar eficazmente essa nova realidade, para torná-la de fato positiva.

Clique aqui para ler o texto no formato original.

quinta-feira, 19 de maio de 2011

Agora é Foster

Sérgio Magalhães

Depois da visita de Richard Rogers, há poucas semanas, agora é seu colega, patrício e ex-sócio Norman Foster quem visitará o Rio.

Foster faz par com Rogers na defesa da cidade compacta: “É preciso unir as lições da História e da tradição, de quando não tínhamos edifícios muito dependentes de energia. Os típicos arranha-céus modernos nasceram numa época de energia ilimitada e barata (...) hoje, não há mais uma fonte infindável de energia barata, por isso é necessário pensar em cidades compactas, criar prédios que trabalhem com a natureza, aproveitando as sombras, aprender com a História, usar a tecnologia mais avançada para melhorar a qualidade do meio ambiente, usar fontes de energia renováveis, criar calor ou energia de lixo queimado. (...) As cidades mais desejáveis são amigas dos pedestres.”

A cidade compacta é um desejo que se fortalece no urbanismo contemporâneo. Para nós, aqui, já precisamos ir mais fundo: é necessário que estanquemos a expansão indefinida e predatória do tecido urbano, espichado pela falta de política pública e pelo laissez-faire quanto à hegemonia do modo de transporte sobre pneus. A cidade se expande na miséria das periferias cada vez mais pobres, menos infraestruturadas, menos equipadas,mais longe.

Como o Brasil é muito acostumado a valorizar o importado, vamos torcer para que cada visita de um destacadíssimo arquiteto como Foster, para além de valorizar a arquitetura como expressão cultural e profissional , seja também estímulo para a revisão da rota de crescimento predatório de nossas cidades.

Clique aqui e aqui a leitura completa da entrevista de NF ao Globo, 19mai11.

sábado, 7 de maio de 2011

O debate da arquitetura

Sérgio Magalhães
*Artigo publicado originalmente no Globo de 07/05/2011
A cidade é o maior artefato da cultura. E a cidade contemporânea é um fenômeno em dimensões tais que supera todas as experiências sociais precedentes.
O objeto da arquitetura deixou de ser o edifício excepcional que se construía artesanalmente e tornou-se o conjunto de intervenções modificadoras do ambiente construído. A arquitetura é a cidade contemporânea em suas múltiplas conformações, desde o domicílio familiar até às grandes estruturas ambientais em escala territorial.
Com a industrialização, em resposta ao desafio das grandes demandas,a arquitetura despiu-se dos cânones, dos ornamentos, das simetrias. Voltou-se para a efetividade. Uma nova estética foi proposta. O simples, o despojado, oracional assumiram o centro da beleza. Novas tecnologias foram concebidas, compatíveis com a multiplicação.
Tudo novo, nada do que fora herdado seria compatível com os novos tempos. Os arquitetos voltaram-separa cidades ideais e edifícios exemplares,os quais deveriam cumprir o papel de faróis do futuro.
Quando o tempo das certezas absolutas ruiu, percebeu-se que a cidade que resistira à avalanche destrutiva modernista tinha valores importantes a manter. Ela já não era mais necessariamente descartável. A cidade produzida pelas multidões se manifesta em toda sua concretude.
As edificações espetaculares não resumem a arquitetura que o século XX produziu. Mas se encontra na grande cidade um dos esteios do desenvolvimento que o mundo experimentou. Foi a cidade quem deu abrigo ao sonho urbano, quem permitiu o avanço da educação,da saúde, do lazer. Por precária com que possa ser percebida, é ela a grande arquitetura deste século XXI.
Mas não é única.
Os novos tempos, diferentemente do que imaginavam os modernos, não é o lugar da padronização, mas da diversidade. É a multiplicidade que caracteriza o ambiente contemporâneo. Assim, a arquitetura é também diversa, múltipla, e acolhe inúmeras manifestações. Ela é complexa no fazer e, obviamente, no ensinar. Já não se retém nos gestos geniais autônomos. Paisagem, escala, ambiente, patrimônio são atributos que ajudam a configurar uma arquitetura contemporânea que não se apoia mais na exceção, mas na qualidade em sinergia com o existente, na contiguidade. É uma nova ética e uma nova estética.
Mas nossas cidades permanecem sob tutela de legislação calcada nos velhos conceitos. Há uma verdadeira inércia epistemológica a promover obras que nascem velhas —onde os valores se apoiam em índices inespaciais, em contas imobiliárias, referenciados ao domínio do lote, não ao contexto. Ao objeto mais do que às suas relações.
Avultam objetos arquitetônicos absorvidos na autor referência. Construções exibicionistas, na ânsia de se afirmar em ícones, ainda que vazios de significado. Quase big brothers arquitetônicos, cujos 15 minutos de fama infelizmente se estenderão por décadas.
Especialmente dos equipamentos públicos, os quais carregam consigo uma representação social, é espera-da uma atenção ao espaço coletivo.
Nesse sentido, é bem-vindo o decreto do prefeito do Rio determinando que novas construções sejam previamente avaliadas quanto ao estarem em acordo com os ambientes que as acolhem. Ele por certo evitará que outras obras-primas da insolência ambiental sejam erguidas na nossa cidade. Será tanto mais desejável que, em passo seguinte,o decreto seja transformado em lei, dando-lhe perenidade.
Estamos em um bom momento para essa reflexão
O país está crescendo, grandes recursos são destinados à construção. Infraestruturas estão sendo projetadas, aeroportos, conjuntos corporativos, bairros inteiros. Mas é preciso que cada obra seja qualificadora do ambiente. Aí, no caso das obras públicas, suas escolhas não podem continuar sendo por menor preço de projeto. Pois, em um passo seguinte,para além de aditivos na construção, transformam-se em monumentos à desconsideração da cidade.
Precisamos incorporar a dimensão contemporânea da sustentabilidade, seja na produção edilícia ou na urbana. Nesse aspecto, desde a década de 1990, o país tem tido boas experiências, o Rio, em especial, com intervenções qualificadoras do ambiente existente. Programas de urbanização de favelas e os de tratamento ambiental de centros de bairros são exemplos que se disseminam.
Mas, por complexo que se tenha tornado o fato arquitetônico, é essencial que seja compreendido na sua inteireza cultural. E o debate das expressões-limites, das arquiteturas que nos encantam e das que nos agridem,é muito desejável.
O debate da arquitetura é um bom caminho para a cidade.

Patético

Sérgio Magalhães
O jornalista Nelson Motta tem escrito artigos às sextas-feiras, no Globo, sempre com um olhar diferente sobre a nossa realidade. O talento de NM é inegável, em muitas áreas da cultura. Mas o artigo de ontem superou todos os anteriores. Vale a pena ler o artigo e o vídeo a que ele se refere, de autoria de Glauber Rocha, datado de 1966.
É triste, muito triste, constatar que decorreu 45 anos daquelas cenas patéticas registradas no vídeo e o protagonista permanecer no proscênio da política brasileira, enquanto seu estado, o Maranhão, também permanece no mesmo patamar de pobreza e desigualdade em que se encontrava.