segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

A melhor resposta à dor

*Artigo publicado originalmente no jornal O Globo de 16/01/2011
Sérgio Magalhães
Tsunami na Indonésia, furacão Katrina nos Estados Unidos, terremoto no Haiti, são desastres ambientais que nos anos recentes surpreenderam o mundo por conta dos danos humanos e materiais causados. Não foi e não seria possível evitá-los.
Embora todos monumentais, tiveram desdobramentos muito diferentes, em função das possibilidades dos países em que ocorreram.
Infelizmente, pelas dificuldades econômicas e políticas do Haiti, ainda não se conseguiu minorar os danos do terremoto. Não será uma solução fácil; talvez sequer seja possível, visto que no Haiti falta o essencial, a começar pela água. Sem a recriação de um sistema hídrico minimamente sustentável, o próprio país fica sem um horizonte de desenvolvimento.
Outras importantes cidades também sofreram danos ambientais em nível de tragédia ao longo da história, como é emblemático no caso de Pompeia, destruída pelo vulcão Vesúvio. A grande enchente de Paris, de 1910, atingiu todo o sistema de metrô subterrâneo. A enchente do rio Arno, em Florença, nos anos 1960, causou danos sérios à histórica cidade toscana. O Rio, nessa mesma década, em dois anos seguidos foi palco de chuvas exageradas que causaram desabamentos e mortes. Enfim, a natureza não é plenamente previsível, nem domesticável.
Esse é o dado incontestável.
É daí que precisamos partir ao nos defrontarmos com a tragédia que se abateu sobre as cidades serranas do Rio de Janeiro.
As cidades constituem-se como o maior artefato da cultura. E, justamente, se opõem à natureza. Qualquer condição urbana é um intervento sobre as condições naturais, o que desequilibra o status quo.
O convívio é algo necessariamente conflituoso, tenso, perigoso. E, como não temos o controle sobre a natureza, precisamos trabalhar com o imponderável ele revesti-lo de cuidados compatíveis com as possibilidades do universo em convivência.
A ocupação das margens de rios é um modelo convencional na produção urbana. Todas as culturas o fizeram.Muitas cidades já sofreram com enchentes— e mesmo assim se mantiveram no mesmo lugar. É que razões mais determinantes foram escolhidas.
Também a ocupação de encostas e de morros é outro modelo universal. Mas há encostas firmes, há encostas frágeis. Há encostas que rompem sem ação antrópica e outras onde é a ação do homem que causa a derrubada.
No entanto, as cidades vitoriosas foram aquelas que souberam ajustar suas razões às da natureza. Mas, para o fazerem, planejaram, escolheram, construíram sistemas próprios, capazes de alcançar um patamar deconfiança e conforto em que pudessem superaras incertezas do meio.
O Rio de Janeiro é uma cidade que tem aprendido. Das tragédias da década de 60, emergiu o serviço de geotecnia extremamente bem-sucedido da GeoRio. Nesses 40 anos, a cidade tem investido poderosamente na contenção de encostas e na eliminação de risco.
O Rio também tem investido na proteção a famílias em risco. É claro que não é simples, considerando-seque a falta de política habitacional é uma realidade no nosso país. Mas é considerável o esforço do municípiono reassentamento de famílias, pelo menos desde a década de 90, através do programa Morar Sem Risco.
O monitoramento das condições meteorológicas é outro trabalho importante que obviamente não previne as chuvas, mas pode ser útil na prevenção do dano. Monitorar e informar,alertar as famílias em risco, é tarefa complexa, de grande exigência tecnológica, que hoje já pode ser feita com bom resultado.
Agora, ante a dor, a melhor resposta será a busca da cooperação.
Nós podemos juntar esforços governamentais,da sociedade, da academia, dos empresários e dos trabalhadores, da mídia e da população, para construirmos um novo modelo de enfrentamento do problema das enchentes,das enxurradas e dos desmoronamentos, que parta da realidade vívida e busque soluções viáveis — sem preconceitos, sem fórmulas prontas.
A Região Serrana pode ser estudada em um modelo reduzido no qual as diversas disciplinas capazes de contribuir para o enfrentamento do problema sejam chamadas a dialogar. Os instrumentos técnicos disponíveis são poderosos. A condição política me parece favorável. Os governos federal, estadual e municipais são parceiros. A academia dispõe de instrumentos teóricos importantes.Instituições da sociedade, empresariais e profissionais poderão ser chamadas a colaborar. Desde logo, digo que o Instituto de Arquitetos doBrasil, que represento no Rio de Janeiro, está solidário e disponível para a colaboração. Por certo, outras instituições coirmãs, de representação profissional, também o estarão.
A hora é da cooperação, do trabalho por uma resposta ampla e profunda. Pela recuperação plena das cidades serranas, para que voltem a nos orgulhar a todos por sua beleza, pujança e possibilidades infinitas de uma vida saudável e segura.

9 comentários:

  1. Meu caro Sérgio, gostei muito da contextualização histórica e da conceituação do tema, mas, se me permite, achei o final um tanto "político" demais.

    Um abraço,
    Lucas Franco.

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  2. Meu caro Sérgio,

    Parabéns pelo seu artigo! Estou completamente de acordo com suas teses. Curioso que hoje, voltando de São Paulo com Rosa - portanto antes de ler seu artigo - conversávamos, no avião, sobre o sucesso do projeto GeoRio e a necessidade de ressucitá-lo para fazer frente a futuros desastres na região serrana do Estado do Rio. Falávamos também da cidade do México e da de São Francisco, construidas e reconstruidas em áreas de elevadíssímo risco sísmico, e das razões da permanência destas populações, em áreas tão perigosas, tema que você aborda com rara propriedade!

    Seu artigo traz esperança e propostas concretas, como sempre muito boas e muito oportunas! Valeu!

    Forte abraço

    Carlos Costa Ribeiro.

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  3. Sérgio

    Parabéns pelo excelente artigo, inclusive se contrapondo a outras posições que estão sendo veiculadas pela imprensa.
    Bem lembrado aos especialistas no assunto que o problema é diverso e complexo e não existem soluções prontas, ou mesmo culpados.

    Devemos lembrar, que as tais “cidades vitoriosas que souberam ajustar suas razões às da natureza", que você fala com tanta propriedade, foram objetos de planos e projetos complexos, intersetoriais e corajosos, que aliam medidas estruturais às não estruturais de longo prazo, muitas em contextos socioculturais bastante diverso dos nossos.

    Neste campo, devemos reforçar o papel dos arquitetos e urbanistas e outros prosfssionais que pensam o espaço, pois estes podem contribuir com planos e projetos que trazem soluções inovadoras e integradas em prol de um ambiente urbano "sustentável" ̶ construído e não construído, incorporando formas de participação e conscientização da sociedade, educação e cidadania.

    É urgente e necessário rever alguns paradigmas relativos à ocupação urbana em sua interface com a "natureza" já modificada. É preciso incentivar e viabilizar projetos socialmente inclusivos que promovam uma cidade compacta e diversificada (tema de diversos artigos do seu blog), ao invés da urbanização extensiva de nossas cidades (com áreas precárias ou não) que é cara e danosa ao ambiente e à sociedade. E nisto, com certeza, o Estado tem um importante papel.


    abraços,

    arq. Angélica Benatti Alvim

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  4. Eu quando viajo fico me perguntando o que nossas metropoles, principalmente sao paulo, poderiam fazer para estancar a desordem urbana? Claro, tem a tal da complexidade que logo vem às mentes criativas. Eu, pela comparação com Bogotá (que cidade interessante)proporia medidas como ,por exemplo, o limite para 6 andares para os novos prédios que vierem a ser construídos na cidade de SP. Isso me faz lembrar dos tais números mágicos, maravilhosos, sei lá o quê. Poderiam os nobres arquitetos falarem sobre essa minha indagação?

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  5. Sergio,
    Parabéns pelo artigo de hoje em O Globo. A reflexão mais sensata sobre a tragédia serrana.
    Nos últimos 5 dias, as midias foram inundadas pelo besteirol e a busca desenfreada de “culpados” pela catástrofe e o rame-rame da ocupação das encostas.
    Em que encosta de alto risco se situa a praça principal de Nova Friburgo?
    Se todas as encostas fossem de alto risco, o que seria de Mônaco?
    Valeu!
    Elysio Pires

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  6. Parabéns, enfim uma pessoa de bom senso analisa com serenidade o desastre ambiental que vivemos. Fernando Carvalho

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  7. Prezado Sérgio,
    Parabéns pela matéria de hoje no O Globo. Veja na página 25 na matéria do repórter Fábio Vasconcellos (que ajudei no levantamento das informações), que todos já sabiam dos riscos envolvidos e pouco ou nada foi feito.
    Sou nascido em Eng. Paulo de Frontin-RJ, pequeno município do centro-sul fluminense e trabalho na área de Oil&Gas em uma multinacional americana no Rio, mas moro em Frontin.
    Eu gostaria muito de marcar uma pequena reunião com você no Rio ou quem sabe em Frontin. Por várias razões que posso lhe explicar pessoalmente, pretendo ser candidato à prefeito em Frontin em 2012 (nunca fui político mas o dever me chama).

    Eu acredito plenamente em cada palavra que você escreveu e por isso mesmo eu já sabia que antes de mais nada eu precisaria de um planejamento urbanístico (qualidade de vida) e um planejamento arquitetônico (voltado ao Turismo) para que Frontin possa ser um local para se viver e se ganhar o pão de cada dia.
    Como já deve saber, nossa economia está "falida" e não há muitas opções econômicas em Frontin, daí além da necessidade deste planejamento estratégico, a necessidade de uma ajuda que não seja impossível financeiramente.

    Aguardo seu contato.

    Abs,

    Leandro Carvalho

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  8. Prezado Sr Sergio Magalhães,
    Aqui é Fabíola Ortiz, nos falamos ontem por telefone sobre a difícil situação que vive a Região Serrana do Rio.
    Como havia dito, a partir da nossa conversa foi publicada ontem uma matéria na Agência de Notícias de Portugal - LUSA para onde correspondo, mas queria avisá-lo que também saiu no site UOL de Notícias.
    Segue o link do UOL e a matéria que saiu em Portugal:
    Desde já agradeço a sua atenção,
    abs

    15/01/2011 - 07h01

    Depois da comoção, o grande desafio é lidar com desalojados, dizem especialistas

    Fabíola Ortiz
    Especial para o UOL Notícias no Rio de Janeiro

    http://noticias.uol.com.br/cotidiano/2011/01/15/depois-da-comocao-o-grande-desafio-lidar-com-desalojados-dizem-especialistas.jhtm

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  9. Prezado Sérgio,
    nos últimos meses tenho lido seus artigos no O Globo, sempre pertinentes, maduros e corretos. Isso é bom para a cidade e também possibilita aos leitores uma visão mais ampla e conectada da realidade da cidade.
    Creio que o artigo de hoje seja muito, muito bem vindo. E, colocar nosso IAB disponível e solidario é de extrema importância para as "cidades", colaborando e juntando esforços para recupera-las dentro de uma perspectiva de segurança esperança.
    Tenho ciência que o IAB RJ, está num periódo de muito trabalho - a direção atual enfrenta grandes tarefas e desafios.
    Mas, dentro desse contexto, seria de grande importância criarmos um grupo de trabalho que acompanhasse os desdobramentos desta "situação", bem como a forma como as intervenções serão realizadas para a recuperação plena das cidades serranas.

    Abraços, Noemia Barradas

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