segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Titulação e unidade no território

Eduardo Cotrim
A regularização do solo nas favelas tem tido experiências pontuais e parciais, porque é algo laborioso, multidisciplinar, que tem seu custo, mas creio que se justifique e seja possível como um empreendimento amplo, desde que resulte da verificação de duas condições. A primeira, de que as favelas consolidadas - as urbanizadas e as urbanizáveis - integrem oficialmente o território da cidade, o que parece ser hoje, no Rio, uma realidade, já que Alemão, Rocinha, Maré e Jacarezinho se constituem administrativamente como bairros. A segunda, de que tal regularização represente algo além de uma soma de concessões individuais.
A regularização fundiária é uma entre as demais iniciativas públicas - como urbanização, aporte de serviços, educação, segurança - com igual potencial para promover a integração urbana, através da transformação de territórios informais em formais.
Mas não se trata aqui de um de um jogo de palavras - a regularização pela regularização é mesmo uma referência sem ponto. Para quê formalidade afinal? A formalidade do solo é significativa para o morador do morro e do asfalto, porque o domínio informal da moradia limita as chances de mobilidade no território. As famílias residentes em solo não regular são desfavorecidas nas possibilidades de troca por um imóvel regular e as soluções de compra e venda, através de financiamento subsidiado, são inviabilizadas.
É verdade que temos um padrão cartorialista e caro de controle da aquisição, venda e transformação da propriedade do solo – tanto no asfalto quanto no morro. No entanto, não se tem notícias de território urbano democrático que possua dois tipos de controle da propriedade imobiliária – um institucional, representado pelos registros de imóveis e outro não institucional, que se firma como legal, constituído por entidades de fins associativos, que são fundamentais, mas não indicadas para arbitrar direitos quaisquer sobre o solo urbano.
A tolerância coletiva da convivência entre as duas modalidades de representação estatal do controle da propriedade urbana é hoje compreensível, desde que seja uma forma de mea culpa pela secular distância entre a sociedade e a matéria. Tenha a dualidade institucional resultado de uma antiga omissão ou deliberação, é importante que seja transitória, cujo término exige debates, entendimentos e reorientações transparentes.
O processo de regularização da propriedade nas áreas não integrantes do sistema de controle público legal do solo, vai muito além de uma justa concessão ao morador – é um instrumento para uma ampla oportunidade de acesso coletivo aos morros e asfaltos, a todo o território.

Um comentário:

  1. blablablabla que creio todos concordamos.Quando chega no final, mostra o ranço leopardo - de tudo mudar para nada mudar: " A tolerância coletiva da convivência entre as duas modalidades de representação estatal do controle da propriedade urbana é hoje compreensível ... tenha a dualidade reultado de uma antiga omissão .. é importante que seja transitória, cujo término exige um processo de debates ....O processo de regularização da propriedade nas áreas .... vai muito além de uma justa concessão ao morador .."

    Para uma confirmação de que a regularização do direito de propriedade começa com a benevolência do Estado, veja a história americana. Para uma visão rápida, não deixe de ver o filme "um sonho distante" e depois quem sabe aceite que a definição do direito de propriedade é o início da regularização. Depois dê uma passadinha de olhos na Lei das Terras que a paulistada de sempre tratou de empacotar no império quando estava ocorrendo a libertação dos escravos. Em todo o seu post encontro o eco de uma mentalidade esquerdista, tão a gosto da classe dominante, dominando paixões e sentimentos. O mundo é mais simples do que muitos imaginam. Quando nos posicionamos claramente, os amigos e inimigos aparecem. Quando ficamos no meio do caminho, nem uns e nem outros podem aparecer (não sei se estou gramaticalmente correto, fazer o quê?).

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